quarta-feira, dezembro 19, 2007

Plano


Trabalho o poema sobre uma hipótese: o amorque se despeja no copo da vida, até meio, como seo pudéssemos beber de um trago. No fundo,como o vinho turvo, deixa um gosto amargo naboca. Pergunto onde está a transparência dovidro, a pureza do líquido inicial, a energiade quem procura esvaziar a garrafa; e a respostasão estes cacos que nos cortam as mãos, a mesada alma suja de restos, palavras espalhadasnum cansaço de sentidos. Volto, então, à primeirahipótese. O amor. Mas sem o gastar de uma vez,esperando que o tempo encha o copo até cima,para que o possa erguer à luz do teu corpoe veja, através dele, o teu rosto inteiro.


Nuno Júdice

terça-feira, dezembro 18, 2007

Leio-te

Leio-te nos olhos a palavra amor,
aquela que celebram os poetas,
aquela que habita em mim
na casa do nosso encontro.

quinta-feira, dezembro 06, 2007

"Quando um ramo de doze badaladas"





"Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,
menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.
Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.
O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado."
Natália Correia
Poesia Completa
Publicações Dom Quixote
1999

"O amor é o amor"





"O amor é o amor
O amor é o amor - e depois?!
Vamos ficar os dois
a imaginar, a imaginar?..
O meu peito contra o teu peito,
cortando o mar, cortando o ar.
Num leito
há todo o espaço para amar!
Na nossa carne estamos
sem destino, sem medo, sem pudor,
e trocamos - somos um? somos dois? -
espírito e calor!
O amor é o amor - e depois?!"


Alexandre O´Neill
Poesias Completas1951/1981
Biblioteca de Autores Portugueses
Imprensa Nacional Casa da Moeda

quinta-feira, novembro 29, 2007

"Ode ao olho"


"Poderoso és, entretanto
Uma pequena areia,
Uma pata de mosca,
Metade de um miligrama
De pó
Entrou no teu olho direito
E o mundo
Fez-se negro e baço,
As ruas
Tornaram-se escadas,
Os edifícios cobriram-se de fumo,
O amor, o filho, o prato
Mudaram de cor, transformaram-se
Em palmeiras ou aranhas.
Cuidado com os olhos!
Olhos,
Globo de maravilha,
Pequeno
Polvo do nosso abismo
Que extrai a luz das trevas,
Pérola
Diligente,
Magnético
Azeviche,
Pequena máquina
Rápida
Como nada ou ninguém,
Fotógrafo
Vertiginoso,
Pintor francês
Revelador do assombro.
Olho,
Tu deste nome
À luz da esmeralda,
Acompanhas
O crescimento
Da laranjeira
E controlas
As leis da aurora,
Medes,
Advertes o perigo,
Encontras o raio
De outros olhos
E arde no coração a labareda,
Como um
Milenário molusco
Encolhes-te
Ao ataque do ácido,
Lês,
Lês cifras de banqueiros
Cartilhas
De ternos meninos de escola
Do Paraguai,
de Malta,
Lês
Relações de nomes
E romances,
Abarcas ondas, rios,
Geografias
Exploras,
Reconheces
A tua bandeira
No remoto mar, entre os navios,
Conservas para o náufrago
O retrato
Mais azul do céu
E de noite
A tua pequena
Janela
Que se fecha
Abre-se por outro lado como um túnel
À indecisa pátria dos sonhos.
Eu vi um morto
Na pampa salitreira,
Era
Um homem do salitre,
Irmão da ideia.
Numa greve
Enquanto comia
Com os companheiros
Abateram-no e logo
No seu sangue,
Que de novo
Regressava às areias,
Os homens
Ensoparam
As bandeiras
E pela dura pampa
Caminharam
Cantando
E desafiando os verdugos.
Eu inclinei-me
Para tocar-lhe o rosto
E nas pupilas
Mortas,
Retratada,
Profunda,
Vi
Que tinha ficado
Bem viva
A bandeira,
A mesma que levavam
Ao combate
Os irmãos
Cantando,
Ali
Como no poço
De toda
A eternidade humana
ViA sua bandeira
Como fogo escarlate,
Como uma papoila
Indestrutível.
Olho,
Tu faltavas
No meu canto
E quando uma vez mais ao oceano
Apontei as cordas da lira
E da ode
Tu delicadamente
Mostraste
Como sou tolo: vi a vida, a terra,
ViTudo,
Menos os meus olhos,
Então
Deixaste penetrar
Sob as pálpebras
Um átomo de pó.
Enevoou-se-me a vista.
Vi o mundo
Enegrecido.
O médico
Por detrás dum escafandro
Apontou-me o seu raio
E deixou-me cair
Como numa ostra
Uma gota de inferno.
Mais tarde,
Pensativo,
Recobrando a vista e admirando
Os escuros, amplos
Olhos da mulher que adoro,
Apaguei a ingratidão com esta ode
Que os teus
Desconhecidos olhos
Lêem."

Pablo Neruda

terça-feira, novembro 27, 2007

Robert Wyatt - September the Ninth

http://www.youtube.com/watch?v=h4wyVTp9wh0

Flor Garduño







(fotografias de Flor Garduño)


"Entre os teus lábios
é que a loucura acode,
desce à garganta,
invade a água.
No teu peito
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra.
Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.
Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.
Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha."

Eugénio de Andrade

domingo, novembro 25, 2007


Chegará um dia que olharei a lua amarela e gorda e não me lembrarei de ti?
Chegará um dia que não te direi que não te direi palavras?
Chegará um dia em meu corpo não notará a ausência do teu?
Chegará um dia que ao pensar em ti de não me desembrulhe toda em amor?
Virá um dia em que a dor sentida já não se sinta?
Virá um dia que a tua presença será só a fraterna e o teu abraço aconchego amigo?
Virá num dia de sol o meu coração sarado, a pulsar novo amor?
Dormi pouco nessas tuas enormes asas. Cuidei que eras um anjo, um princípe, um amor feliz.
Constato a inutilidade dos meus afectos...
Contudo ainda espero que um raio de luz ilumine a minha vida.

(Casa das Pombas a voar pelos quartos contigo)

Turner


Peace - Burial at Sea
1842
Oil on canvas
87 x 86.5 cm
Tate Gallery, London

sábado, novembro 24, 2007

"É verdade que o amor não se vê"


É verdade que o amor não se vê: o que eu vejo são os teus olhos, a ternura súbita das suas pálpebras, e o que elas abrem e escondem numa hesitação de luz. Eis o que define este sentimento: um intervalo uma distracção do tempo, a divina abstracção do infinito na transcendência do real."
(Nuno Júdice, Entre essência e existência, Cartografia de Emoções)

(fot. tirada de um filme. Greta Garbo na imagem)

quinta-feira, novembro 22, 2007

"Então sento-me à tua mesa"



"Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua sombra e loucura,
não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.

Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida - e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém,
teu silêncio de fogo e leite repõe a força
maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor. As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
os instantes começam da tua oferenda
como as guitarras tiram seu início da música nocturna."

Herberto Hélder

Enevoado amor voado pelas marés.
Lagôa de Óbidos

quarta-feira, novembro 14, 2007


"Mas que sei eu
Mas que sei eu das folhas no outono
ao vento vorazmente arremessadas
quando eu passo pelas madrugadas
tal como passaria qualquer dono?
Eu sei que é vão o vento e lento o sono
e acabam coisas mal principiadas
no ínvio precipício das geadas
que pressinto no meu fundo abandono
Nenhum súbito súbdito lamenta
a dor de assim passar que me atormenta
e me ergue no ar como outra folha
qualquer. Mas eu que sei destas manhãs?
As coisas vêm vão e são tão vãs
como este olhar que ignoro que me olha."
Ruy Belo

sábado, maio 12, 2007


(...)

"Se eu pudesse dizer-te:
- Senta aqui nos meus joelhos, deixa-me alisar-te, ó amável bichinho, o pêlo fino; depois, a contra-pêlo, provocar-te!
Se eu pudesse juntar no mesmo fio(infinito colar!) cada arrepio que aos viageiros comprazidos dedos fizesse descobrir novos enredos!
Se eu pudesse fechar-te nesta mão, tecedeira fiel de tantas linhas, de tanto enredo imaginário, vão, e incitar alguém:
- Vê se adivinhas...
Então um fértil jogo de amor seria.
Não este descerrar a mão vazia !"


Alexandre O'Neil

Vento do Mar


Andrew Wyeth

terça-feira, abril 17, 2007

Abraço

Quando já se esteve ligado


(Egon Schiele)

quarta-feira, março 28, 2007

Desligar custa


"..........................Claro que é preciso desligar, mas custa muito........................Sim. Ter a ilusão de estarmos abraçados um ao outro e de repente interpor caves, esgotos, uma cidade inteira entre nós..........................................Lembras-te da Ivone, que não podia conceber como a voz passava através de um fio tão torcido? Pois tenho o fìo em volta do pescoço. A tua voz em volta do pescoço...................."


Jean Cocteau

domingo, março 18, 2007

SI MIS MANOS PUDIERAN DESHOJAR


10 de Noviembre de 1919(Granada)


Yo pronuncio tu nombre
en las noches oscuras,
cuando vienen los astros
a beber en la luna
y duermen los ramajes
de las frondas ocultas.
Y yo me siento hueco
de pasión y de música.
Loco reloj que canta
muertas horas antiguas.
Yo pronuncio tu nombre,
en esta noche oscura,
y tu nombre me suena
más lejano que nunca.
Más lejano que todas las estrellas
y más doliente que la mansa lluvia.
¿Te querré como entonces
alguna vez?
¿Qué culpa tiene mi corazón?
Si la niebla se esfuma,
¿qué otra pasión me espera?
¿Será tranquila y pura?
¡¡Si mis dedos pudieran
deshojar a la luna!!
Garcia Lorca

segunda-feira, março 12, 2007

Quase pele


Quase pele
Quase corpo
Quase mulher
Nua
Impermeável
Translúcida
Sujeita a altas temperaturas
(escultura de Armando Correia)

Banda de Músicos

(Portinari, 1960)

quarta-feira, março 07, 2007

Sonhando com pássaros

O Coronel Pássaro - Teatro da Rainha no CCB


object classid="clsid:d27cdb6e-ae6d-11cf-96b8-444553540000"codebase="http://fpdownload.macromedia.com/pub/shockwave/cabs/flash/swflash.cab#version=7,0,0,0" width="300" height="263" id="soundslider" align="middle">http://www.teatro-da-rainha.com/images/multimedia/minicoronel/soundslider.swf?size=2" />http://www.teatro-da-rainha.com/images/multimedia/minicoronel/soundslider.swf?size=2" quality="high" bgcolor="#FFFFFF" width="300" height="263" name="soundslider" align="middle" menu="false" allowscriptaccess="sameDomain" type="application/x-shockwave-flash" pluginspage="http://www.macromedia.com/go/getflashplayer" />

Dias 8, 9, 10 de Março, às 21h00 e 11 Março, às 16h00 - Pequeno Auditório do CCB


clique aqui para colocar esta animação no seu blog

Nas "Nuvens"


quarta-feira, fevereiro 07, 2007



"Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi:
não soube que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo."

Pablo Neruda

segunda-feira, fevereiro 05, 2007


(...)
"Era de nácar negro,
da cor das uvas roxas,
e açoitou-me o sangue"

(...)
Pablo Neruda