"Poderoso és, entretanto
Uma pequena areia,
Uma pata de mosca,
Metade de um miligrama
De pó
Entrou no teu olho direito
E o mundo
Fez-se negro e baço,
As ruas
Tornaram-se escadas,
Os edifícios cobriram-se de fumo,
O amor, o filho, o prato
Mudaram de cor, transformaram-se
Em palmeiras ou aranhas.
Cuidado com os olhos!
Olhos,
Cuidado com os olhos!
Olhos,
Globo de maravilha,
Pequeno
Polvo do nosso abismo
Que extrai a luz das trevas,
Pérola
Diligente,
Magnético
Azeviche,
Pequena máquina
Rápida
Como nada ou ninguém,
Fotógrafo
Vertiginoso,
Pintor francês
Revelador do assombro.
Olho,
Tu deste nome
À luz da esmeralda,
Acompanhas
O crescimento
Da laranjeira
E controlas
As leis da aurora,
Medes,
Advertes o perigo,
Encontras o raio
De outros olhos
E arde no coração a labareda,
Como um
Milenário molusco
Encolhes-te
Ao ataque do ácido,
Lês,
Lês cifras de banqueiros
Cartilhas
De ternos meninos de escola
Do Paraguai,
de Malta,
Lês
Relações de nomes
E romances,
Abarcas ondas, rios,
Geografias
Exploras,
Reconheces
A tua bandeira
No remoto mar, entre os navios,
Conservas para o náufrago
O retrato
Mais azul do céu
E de noite
A tua pequena
Janela
Que se fecha
Abre-se por outro lado como um túnel
À indecisa pátria dos sonhos.
Eu vi um morto
Na pampa salitreira,
Era
Um homem do salitre,
Irmão da ideia.
Numa greve
Enquanto comia
Com os companheiros
Abateram-no e logo
No seu sangue,
Que de novo
Regressava às areias,
Os homens
Ensoparam
As bandeiras
E pela dura pampa
Caminharam
Cantando
E desafiando os verdugos.
Eu inclinei-me
Para tocar-lhe o rosto
E nas pupilas
Mortas,
Retratada,
Profunda,
Vi
Que tinha ficado
Bem viva
A bandeira,
A mesma que levavam
Ao combate
Os irmãos
Cantando,
Ali
Como no poço
De toda
A eternidade humana
ViA sua bandeira
Como fogo escarlate,
Como uma papoila
Indestrutível.
Olho,
Olho,
Tu faltavas
No meu canto
E quando uma vez mais ao oceano
Apontei as cordas da lira
E da ode
Tu delicadamente
Mostraste
Como sou tolo: vi a vida, a terra,
ViTudo,
Menos os meus olhos,
Então
Deixaste penetrar
Sob as pálpebras
Um átomo de pó.
Enevoou-se-me a vista.
Vi o mundo
Enegrecido.
O médico
Por detrás dum escafandro
Apontou-me o seu raio
E deixou-me cair
Como numa ostra
Uma gota de inferno.
Mais tarde,
Pensativo,
Recobrando a vista e admirando
Os escuros, amplos
Olhos da mulher que adoro,
Apaguei a ingratidão com esta ode
Que os teus
Desconhecidos olhos
Lêem."
Pablo Neruda