
Divagando por aí.... Pescar palavras, ideias, imagens com sentido, sem sentido, mas sempre, sempre com os sentidos à flor da pele. Às fotografias e textos que vou fazendo, igualmente junto coisas que gosto. De amigos, ou de pessoas que admiro. Por aqui viverá a textura da minha pele. Por aqui escorrerá a minha vida.
segunda-feira, março 31, 2008
Os teclados

"(...)Tudo ficava suspenso, no vazio. E depois o som acontecia: a chuva, o vento, o mar. O vento nas folhas, no caminho de terra, nos telhados, na chuva. Agora (...) ouvia a chuva, as formas fugidias da água. (...) Gostava de vaguear (...), ouvindo o que havia para ouvir – buzinas de carros, vozes, motores, barulho de oficinas, pancadas mecânicas, chapas de metal zunindo, portas batendo, passos de pessoas na calçada. Por vezes música articulada, no meio dos sons: o canto alto de um pregão atirado ao ar, um trilo de pássaro, o assobio do amolador de tesouras, o acordeão de um cego numa esquina.Mas tudo o resto – buzinas, vozes, sirenes, máquinas, - podia ser também uma forma de música. E mesmo o silêncio fazia parte de ouvir – o silêncio entre uma coisa e outra, a respiração ou a pausa, antes que outra coisa acontecesse.Ouvir era deixar o mundo entrar em si. (...)"
TEOLINDA GERSÃO
Os teclados
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Teolinda Gersão
terça-feira, fevereiro 19, 2008
"Jardim Perdido"
Jardim Perdido
Jardim em flor, jardim de impossessão,
Transbordante de imagens mas informe,
Em ti se dissolveu o mundo enorme,
Carregado de amor e solidão.
A verdura das arvores ardia,
O vermelho das rosas transbordava
Alucinado cada ser subia
Num tumulto em que tudo germinava.
A luz trazia em si a agitação
De paraísos, deuses e de infernos,
E os instantes em ti eram eternos
De possibilidades e suspensão.
Mas cada gesto em ti se quebrou, denso
Dum gesto mais profundo em si contido,
Pois trazias em ti sempre suspenso
Outro jardim possível e perdido.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Jardim em flor, jardim de impossessão,
Transbordante de imagens mas informe,
Em ti se dissolveu o mundo enorme,
Carregado de amor e solidão.
A verdura das arvores ardia,
O vermelho das rosas transbordava
Alucinado cada ser subia
Num tumulto em que tudo germinava.
A luz trazia em si a agitação
De paraísos, deuses e de infernos,
E os instantes em ti eram eternos
De possibilidades e suspensão.
Mas cada gesto em ti se quebrou, denso
Dum gesto mais profundo em si contido,
Pois trazias em ti sempre suspenso
Outro jardim possível e perdido.
Sophia de Mello Breyner Andresen
"Limpo Palavras"
Limpo palavras.
Recolho-as à noite, por todo o lado:
a palavra bosque, a palavra casa, a palavra flor.
Trato delas durante o dia
enquanto sonho acordado.
A palavra solidão faz-me companhia.
Quase todas as palavras
precisam de ser limpas e acariciadas:
a palavra céu, a palavra nuvem, a palavra mar.
Algumas têm mesmo de ser lavadas,é preciso raspar-lhes a sujidade dos dias
e do mau uso.
Muitas chegam doentes,outras simplesmente gastas,
estafadas,dobradas pelo peso das coisas
que trazem às costas.
A palavra pedra pesa como uma pedra.
A palavra rosa espalha o perfume no ar.
A palavra árvore tem folhas, ramos altos.
Podes descansar à sombra dela.
A palavra gato espeta as unhas no tapete.
A palavra pássaro abre as asas para voar.
A palavra coração não pára de bater.
Ouve-se a palavra canção.
A palavra vento levanta os papeis no ar
e é preciso fechá-la na arrecadação.
No fim de tudo voltam os olhos para a luz
e vão para longe,
leves palavras voadoras
sem nada que as prenda à terra,
outra vez nascidas pela minha mão:
a palavra estrela, a palavra ilha, a palavra pão.
A palavra obrigado agradece-me.
As outras não.
A palavra adeus despede-se.
As outras já lá vão, belas palavras lisas
e lavadas como seixos do rio:
a palavra ciúme, a palavra raiva, a palavra frio.
Vão à procura de quem as queira dizer,
de mais palavras e de novos sentidos.
Basta estenderes a mão para apanhares
a palavra barco ou a palavra amor.
Limpo palavras.
A palavra búzio, a palavra lua, a palavra palavra.
Recolho-as à noite, trato delas durante o dia.
A palavra fogão cozinha o meu jantar.
A palavra brisa refresca-me.
A palavra solidão faz-me companhia.
ÁLVARO MAGALHÃES
O Limpa-Palavras e Outros Poemas
Recolho-as à noite, por todo o lado:
a palavra bosque, a palavra casa, a palavra flor.
Trato delas durante o dia
enquanto sonho acordado.
A palavra solidão faz-me companhia.
Quase todas as palavras
precisam de ser limpas e acariciadas:
a palavra céu, a palavra nuvem, a palavra mar.
Algumas têm mesmo de ser lavadas,é preciso raspar-lhes a sujidade dos dias
e do mau uso.
Muitas chegam doentes,outras simplesmente gastas,
estafadas,dobradas pelo peso das coisas
que trazem às costas.
A palavra pedra pesa como uma pedra.
A palavra rosa espalha o perfume no ar.
A palavra árvore tem folhas, ramos altos.
Podes descansar à sombra dela.
A palavra gato espeta as unhas no tapete.
A palavra pássaro abre as asas para voar.
A palavra coração não pára de bater.
Ouve-se a palavra canção.
A palavra vento levanta os papeis no ar
e é preciso fechá-la na arrecadação.
No fim de tudo voltam os olhos para a luz
e vão para longe,
leves palavras voadoras
sem nada que as prenda à terra,
outra vez nascidas pela minha mão:
a palavra estrela, a palavra ilha, a palavra pão.
A palavra obrigado agradece-me.
As outras não.
A palavra adeus despede-se.
As outras já lá vão, belas palavras lisas
e lavadas como seixos do rio:
a palavra ciúme, a palavra raiva, a palavra frio.
Vão à procura de quem as queira dizer,
de mais palavras e de novos sentidos.
Basta estenderes a mão para apanhares
a palavra barco ou a palavra amor.
Limpo palavras.
A palavra búzio, a palavra lua, a palavra palavra.
Recolho-as à noite, trato delas durante o dia.
A palavra fogão cozinha o meu jantar.
A palavra brisa refresca-me.
A palavra solidão faz-me companhia.
ÁLVARO MAGALHÃES
O Limpa-Palavras e Outros Poemas
domingo, fevereiro 10, 2008
sexta-feira, janeiro 25, 2008
segunda-feira, janeiro 07, 2008
"Vadiara feliz ou infeliz"

“Dormira, decerto. Um longo sono cansado. Como um gato, um vadio de um gato, saíra pelos campos fora, correndo parando dormindo por ruas e escadas, portas e telhados, descera andara perdera-se é possível, vadiara feliz ou infeliz – como um gato.”
(Luiz Pacheco, Exercícios de Estilo, Editorial Estampa, Lisboa, 1971, livro que comprei nesse ano e que me custou 70 paus!)
(Luiz Pacheco, Exercícios de Estilo, Editorial Estampa, Lisboa, 1971, livro que comprei nesse ano e que me custou 70 paus!)
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sexta-feira, janeiro 04, 2008
Rumo certo para a Sofia

Hoje ao fim da tarde na Foz do Arelho.
Gansos patolas?
Não corvos marinhos. Obrigada Sofia, conhecedora destes e de outros assuntos escreveu:
"Corvo Marinho de faces brancas, nome científico: Phalacrocorax carbo. Rumo a norte, ao fim do dia, na Foz... " Quem sabe e eu agradeço.
Esta fotografia fica-te dedicada tu que rasgas horizontes e vais construindo com o teu trabalho de qualidade o mundo um bocadinho melhor.
quarta-feira, dezembro 19, 2007
Plano

Trabalho o poema sobre uma hipótese: o amorque se despeja no copo da vida, até meio, como seo pudéssemos beber de um trago. No fundo,como o vinho turvo, deixa um gosto amargo naboca. Pergunto onde está a transparência dovidro, a pureza do líquido inicial, a energiade quem procura esvaziar a garrafa; e a respostasão estes cacos que nos cortam as mãos, a mesada alma suja de restos, palavras espalhadasnum cansaço de sentidos. Volto, então, à primeirahipótese. O amor. Mas sem o gastar de uma vez,esperando que o tempo encha o copo até cima,para que o possa erguer à luz do teu corpoe veja, através dele, o teu rosto inteiro.
Nuno Júdice
terça-feira, dezembro 18, 2007
Leio-te
Leio-te nos olhos a palavra amor,
aquela que celebram os poetas,
aquela que habita em mim
na casa do nosso encontro.
aquela que celebram os poetas,
aquela que habita em mim
na casa do nosso encontro.
quinta-feira, dezembro 06, 2007
"Quando um ramo de doze badaladas"

"Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,
menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.
Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.
O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado."
Natália Correia
Poesia Completa
Publicações Dom Quixote
1999
Poesia Completa
Publicações Dom Quixote
1999
"O amor é o amor"

"O amor é o amor
O amor é o amor - e depois?!
Vamos ficar os dois
a imaginar, a imaginar?..
O meu peito contra o teu peito,
cortando o mar, cortando o ar.
Num leito
há todo o espaço para amar!
Na nossa carne estamos
sem destino, sem medo, sem pudor,
e trocamos - somos um? somos dois? -
espírito e calor!
O amor é o amor - e depois?!"
Alexandre O´Neill
Poesias Completas1951/1981
Biblioteca de Autores Portugueses
Imprensa Nacional Casa da Moeda
quinta-feira, novembro 29, 2007
"Ode ao olho"

"Poderoso és, entretanto
Uma pequena areia,
Uma pata de mosca,
Metade de um miligrama
De pó
Entrou no teu olho direito
E o mundo
Fez-se negro e baço,
As ruas
Tornaram-se escadas,
Os edifícios cobriram-se de fumo,
O amor, o filho, o prato
Mudaram de cor, transformaram-se
Em palmeiras ou aranhas.
Cuidado com os olhos!
Olhos,
Cuidado com os olhos!
Olhos,
Globo de maravilha,
Pequeno
Polvo do nosso abismo
Que extrai a luz das trevas,
Pérola
Diligente,
Magnético
Azeviche,
Pequena máquina
Rápida
Como nada ou ninguém,
Fotógrafo
Vertiginoso,
Pintor francês
Revelador do assombro.
Olho,
Tu deste nome
À luz da esmeralda,
Acompanhas
O crescimento
Da laranjeira
E controlas
As leis da aurora,
Medes,
Advertes o perigo,
Encontras o raio
De outros olhos
E arde no coração a labareda,
Como um
Milenário molusco
Encolhes-te
Ao ataque do ácido,
Lês,
Lês cifras de banqueiros
Cartilhas
De ternos meninos de escola
Do Paraguai,
de Malta,
Lês
Relações de nomes
E romances,
Abarcas ondas, rios,
Geografias
Exploras,
Reconheces
A tua bandeira
No remoto mar, entre os navios,
Conservas para o náufrago
O retrato
Mais azul do céu
E de noite
A tua pequena
Janela
Que se fecha
Abre-se por outro lado como um túnel
À indecisa pátria dos sonhos.
Eu vi um morto
Na pampa salitreira,
Era
Um homem do salitre,
Irmão da ideia.
Numa greve
Enquanto comia
Com os companheiros
Abateram-no e logo
No seu sangue,
Que de novo
Regressava às areias,
Os homens
Ensoparam
As bandeiras
E pela dura pampa
Caminharam
Cantando
E desafiando os verdugos.
Eu inclinei-me
Para tocar-lhe o rosto
E nas pupilas
Mortas,
Retratada,
Profunda,
Vi
Que tinha ficado
Bem viva
A bandeira,
A mesma que levavam
Ao combate
Os irmãos
Cantando,
Ali
Como no poço
De toda
A eternidade humana
ViA sua bandeira
Como fogo escarlate,
Como uma papoila
Indestrutível.
Olho,
Olho,
Tu faltavas
No meu canto
E quando uma vez mais ao oceano
Apontei as cordas da lira
E da ode
Tu delicadamente
Mostraste
Como sou tolo: vi a vida, a terra,
ViTudo,
Menos os meus olhos,
Então
Deixaste penetrar
Sob as pálpebras
Um átomo de pó.
Enevoou-se-me a vista.
Vi o mundo
Enegrecido.
O médico
Por detrás dum escafandro
Apontou-me o seu raio
E deixou-me cair
Como numa ostra
Uma gota de inferno.
Mais tarde,
Pensativo,
Recobrando a vista e admirando
Os escuros, amplos
Olhos da mulher que adoro,
Apaguei a ingratidão com esta ode
Que os teus
Desconhecidos olhos
Lêem."
Pablo Neruda
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Ary dos Santos,
Fotografia,
Poesia
terça-feira, novembro 27, 2007
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